Você atende seus pacientes com excelência, segue todos os protocolos e nunca teve problemas. Mas um colega da sua clínica comete um erro grave, e de repente você está sendo processado junto. Parece injusto? É a realidade da responsabilidade solidária em clínicas médicas. Entender como funciona esse mecanismo jurídico pode ser a diferença entre proteger seu patrimônio ou perder anos de trabalho por um problema que não causou.
De acordo com Gabriel Borduchi, especialista em Seguros de Responsabilidade Civil Profissional para médicos, da Borduchi Seguros, “muitos profissionais só descobrem que respondem solidariamente por erros de terceiros quando já estão no meio de um processo judicial, e nesse momento as opções de proteção se tornam limitadas e mais caras”.
O Que É Responsabilidade Solidária na Prática Médica
Responsabilidade solidária significa que todos os sócios ou associados de uma clínica podem ser cobrados integralmente por danos causados por qualquer membro da equipe ou por falhas estruturais do estabelecimento. Não importa se você estava de plantão, se conhecia o paciente ou se teve qualquer participação no erro. O Código Civil brasileiro estabelece que, quando há vínculo societário ou institucional, todos respondem pelo todo.
Isso acontece porque a lei entende que a clínica é uma unidade empresarial, e os sócios são responsáveis pelo funcionamento adequado de toda a estrutura. Na prática, significa que um paciente lesionado pode acionar qualquer um dos médicos sócios para receber a indenização completa, e depois esse profissional precisa buscar ressarcimento dos demais. Essa lógica protege a vítima, mas expõe médicos diligentes a riscos significativos.
Cenários Reais de Responsabilidade Solidária
Um ortopedista sócio de uma clínica multidisciplinar pode ser acionado judicialmente por um erro cometido pelo anestesiologista durante uma cirurgia que ele nem participou. Um dermatologista pode responder por infecção hospitalar causada por falhas na esterilização de materiais usados por outro profissional. Um cardiologista pode pagar por danos decorrentes de má conservação de medicamentos no estoque da clínica.
Esses cenários não são raros. Processos envolvendo responsabilidade solidária representam uma parcela crescente das ações contra médicos no Brasil. A jurisprudência tem sido consistente em responsabilizar todos os sócios, especialmente quando há configuração de sociedade empresária ou quando a clínica opera como pessoa jurídica.
Box de Destaque: Situações de Alto Risco para Responsabilidade Solidária
- Sociedades multidisciplinares: Quanto mais especialidades sob o mesmo CNPJ, maior o risco de responder por áreas que você não domina
- Clínicas com funcionários terceirizados: Erros de enfermeiros, técnicos e auxiliares contratados pela clínica recaem sobre os sócios
- Compartilhamento de estrutura: Falhas em equipamentos, instalações ou protocolos de segurança geram responsabilidade coletiva
Como Médicos Sócios Acabam Pagando Por Erros Alheios
A cadeia de responsabilização funciona da seguinte forma: o paciente move ação contra a clínica e todos os sócios. O juiz condena solidariamente. O paciente escolhe executar a sentença contra o sócio que tem mais bens visíveis ou de mais fácil acesso. Esse médico paga tudo, mesmo que sua participação no erro tenha sido zero. Depois, ele pode entrar com ação regressiva contra os demais, mas isso significa um segundo processo, mais custos advocatícios e anos de espera.
Muitos médicos acreditam que, por trabalharem em dias ou turnos específicos, estariam protegidos. Essa é uma ilusão perigosa. A responsabilidade não se divide por escala de trabalho. Se você é sócio registrado no contrato social, responde integralmente. Se você é associado com vínculo formal reconhecido, também pode ser incluído. A forma como a clínica se apresenta ao público e como os contratos são estruturados determina a extensão da responsabilidade.
Aspectos Jurídicos Que Agravam o Risco
O Código de Defesa do Consumidor trata a relação médico-paciente como relação de consumo em muitos casos, o que inverte o ônus da prova e facilita condenações. Além disso, a responsabilidade da clínica costuma ser objetiva para falhas estruturais, ou seja, não é necessário provar negligência, apenas o dano e o nexo causal. Já a responsabilidade do médico individual é subjetiva, mas quando há solidariedade, essa distinção se dilui.
Tribunais brasileiros têm entendido que a presença do nome do médico no contrato social, em placas, materiais de divulgação ou cadastros junto a operadoras de saúde já configura responsabilidade solidária. Mesmo médicos que não participam da gestão administrativa podem ser acionados. A defesa precisa ser muito bem construída para afastar a solidariedade, e nem sempre é bem-sucedida.
Proteção Patrimonial e Gestão de Riscos em Clínicas
A primeira linha de defesa é a clareza contratual. Contratos sociais devem especificar responsabilidades, delimitar áreas de atuação e estabelecer protocolos de qualidade obrigatórios. Cláusulas de ressarcimento entre sócios precisam estar detalhadas e registradas. Isso não elimina a responsabilidade solidária perante terceiros, mas facilita a ação regressiva posterior.
Seguros de responsabilidade civil profissional adequados são essenciais. Muitos médicos possuem apólices individuais que não cobrem responsabilidade solidária ou têm limites insuficientes. Clínicas devem ter seguro próprio robusto, mas cada sócio precisa de cobertura individual complementar que explicitamente inclua atos de terceiros dentro do estabelecimento. A análise das coberturas e exclusões deve ser criteriosa.
Medidas Práticas de Prevenção
Implemente sistemas de gestão de qualidade com auditorias regulares. Mantenha registros detalhados de todos os atendimentos, procedimentos e intercorrências. Estabeleça protocolos claros de comunicação entre a equipe. Realize reuniões periódicas para discussão de casos e alinhamento de condutas. Essas práticas reduzem erros e criam documentação que pode ser crucial em uma defesa judicial.
Considere estruturas societárias que limitem responsabilidades, como holdings ou separação de atividades em pessoas jurídicas distintas. Consulte um advogado especializado em direito médico para avaliar a melhor configuração para seu caso. Lembre-se que alterações contratuais não têm efeito retroativo para fatos já ocorridos, então quanto antes você se proteger, melhor.
Quando Vale a Pena Ser Sócio de Uma Clínica
Participar de uma sociedade médica traz vantagens financeiras, operacionais e de reputação. Mas é fundamental pesar os riscos. Avalie o histórico dos demais sócios, a solidez dos processos internos, a existência de seguros adequados e a qualidade da assessoria jurídica da clínica. Se esses elementos não estiverem bem estruturados, a economia de custos pode virar prejuízo gigantesco.
Desconfie de sociedades muito grandes, com muitos profissionais que você não conhece bem. Quanto maior o número de sócios e colaboradores, maior a exposição. Clínicas que operam com margens apertadas e economizam em seguros, equipamentos ou treinamento são bombas-relógio. Seu patrimônio pessoal não deveria estar à mercê de decisões de terceiros sobre as quais você não tem controle.
Conclusão
Responsabilidade solidária é uma realidade que todo médico sócio ou associado de clínica precisa conhecer e se preparar para enfrentar. Erros acontecem, e quando acontecem em ambiente institucional, todos os envolvidos respondem. A proteção passa por contratos bem redigidos, seguros adequados, processos de qualidade rigorosos e escolha criteriosa de parceiros.
Não espere um processo chegar para pensar nisso. Revise seus vínculos societários, atualize suas coberturas de seguro e estabeleça protocolos claros na sua clínica. Se precisar de orientação especializada sobre proteção patrimonial e seguros para responsabilidade civil médica, busque profissionais que entendam as particularidades do setor de saúde. Seu futuro profissional e seu patrimônio dependem dessa decisão.